sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Os Pecados da República do Brasil





Valho-me de Gustavo Barroso, para narrar o primeiro grande pecado da nação brasileira em relação àquele que lhe deu a Independência e a constituiu em Império. Vejamos:


Em meados de março de 1831, a cidade do Rio de Janeiro fervilhava de mentirosas acusações sobre Dom Pedro I, mas, principalmente, que ele desdenhava do Brasil em favor de Portugal. Os liberais-exaltados promoviam badernas na frente dos quartéis. Cresce a confusão, agitam-se os deputados. As tropas terminam por apoiar a insatisfação. Mesmo aquela que estava no Palácio de São Cristovão, que o guardava, aos poucos o vão abandonando. Do Batalhão do Imperador, fica-lhe fiel somente o Major Lima e Silva, futuro Duque de Caxias. Consultado pelo Soberano sobre a situação, o Major responde-lhe:  


- “Se Sua Majestade quiser debelar o movimento, nada será mais fácil. Bastará seguir nesta mesma noite para a Fazenda de Santa Cruz, e ali reunir as milícias, à frente das quais estou pronto para me colocar, devendo estacionar no Campinho os postos avançados. Se, porém, se adotar este alvitre, deverá ser acompanhado dum decreto, concedendo baixa a todos os soldados da primeira linha, que a quiserem; pois, feito isso, dentro de 24 horas, os oficiais se acharão sós.” 


A este conselho o Imperador respondeu: 


- “O expediente proposto é digno do Major Lima e Silva, mas não o aceito, porque não quero que por minha causa se derrame uma só gota de sangue brasileiro.”


Desalentado ante a revolta e à traição, D. Pedro I abdicou no filho pequenino, que seria D. Pedro II, na madrugada de 7 de abril, acolhendo-se com a Imperatriz D. Amélia, D. Maria II de Portugal, a bordo da fragata inglesa Warspit surta no porto. Dela se passou para a Volage que o levou à Europa. Ia, como D. Pedro IV de Portugal, escrever o último capítulo de sua vida cavalheiresca e gloriosa, reconquistando nos azares da guerra civil ao irmão D. Miguel o trono de sua filha. 


Antes de partir, ao filho de cinco anos de idade, escrevia esta página de antologia: 


“Meu querido filho e meu Imperador. Muito lhe agradeço a carta que me escreveu. Eu mal a pude ler, pois as lágrimas eram tantas que me impediam de a ver; agora que me acho, apesar de tudo, um pouco mais descansado, faço esta para lhe agradecer a sua e para certificar-lhe que, enquanto vida tiver, as saudades jamais se extinguirão em meu dilacerado coração. Deixar filhos, pátria, amigos, não pode haver maior sacrifício; mas levar a honra ilibada, não pode haver maior glória. Lembre-se de seu pai, ame a sua, a minha pátria, siga os conselhos que lhe derem aqueles que cuidam de sua educação, e conte que o mundo o há de admirar, e que eu hei de me encher de ufania por ter um filho digno da pátria. Eu me retiro para a Europa; assim é necessário para que o Brasil sossegue, o que Deus permita, e possa para o futuro chegar àquele grau de prosperidade de que é capaz. Adeus, meu filho, receba a benção de seu pai que se retira saudoso e sem mais esperanças de o ver.” D. Pedro de Alcântara


Pai e filho nunca mais se viram. Durante uma década, o Brasil não sossegou. O sangue que D. Pedro I, recusando o conselho leonino de Caxias, não quis derramar, os brasileiros fizeram correr nas aras da anarquia de norte a sul do país, Cabanos no Pará, Balaios no Maranhão, Pintistas no Ceará, setembristas e Decembristas em Pernambuco, Luzias em Minas e Farrapos no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, todos não tiveram o mesmo escrúpulo do Monarca em poupá-lo.


Com 36 anos de idade apenas, esgotado por uma vida dinâmica, D. Pedro I faleceu a 24 de setembro de 1834, no paço de Queluz, no mesmo aposento em que nascera a 12 de outubro de 1798, a sala de D. Quixote, ilustrada com painéis da vida do Cavaleiro Andante, cujo derradeiro sono, perguntando-lhe a filha qual sua última vontade, respondeu que desejaria ver um soldado do Batalhão de Caçadores 5, do qual era coronel honorário e que acompanhara dos Açores do Mindelo, combatendo sob suas ordens no Cerco do Porto. O Duque de Terceira mandou vir um cabo desse batalhão, que se ajoelhou em pranto ao pé do leito, onde agonizava o Rei de Portugal e Imperador do Brasil. 

E D. Pedro adormeceu na morte, pousando os olhos enevoados e a mão álgida na fardeta cor de pinhão com chouriças, canhões e gola verdes dum dos heróis que comandara.


O primeiro Imperador do Brasil teve a morte emocionante dum soldado. 


Retomo: Esta maldade insana, esta punição a um homem que nada fizera de mal ao Império, que era admirado por suas posições fortes como sua personalidade, pesa como uma maldição sobre a terra que tanto amou. 

É um karma nacional a ser queimado, a ser resgatado com o respeito à sua memória e à sua obra maior: a criação do Império do Brasil, grande entre os grandes em sua época áurea.


A República até tentou se refazer do erro desumano, ao trazer seus restos mortais para sua pátria de eleição e lutas. Mas foi pouco. Não houve o reconhecimento de sua competência e capacidade, de seu destemor, de sua grandeza em pôr-se acima das humilhações que lhe fizeram e da tristeza de ter de abandonar um filho ao alcance de adversários que lhe queriam mal.


D. Pedro I demonstrou sobejamente que a grandeza pessoal é o maior bem e a mais bela das virtudes, dando razão a Montesquieu, que ensinava que o princípio que rege o Estado Monárquico é a honra.


Quão longe estamos, neste nosso atual Brasil, dessas atitudes soberanas, corajosas e sacrificadoras de interesses pessoais.