Valho-me de Gustavo Barroso, para narrar o primeiro grande
pecado da nação brasileira em relação àquele que lhe deu a Independência e a
constituiu em Império. Vejamos:
Em meados de março de 1831, a cidade do Rio de Janeiro
fervilhava de mentirosas acusações sobre Dom Pedro I, mas, principalmente, que
ele desdenhava do Brasil em favor de Portugal. Os liberais-exaltados promoviam
badernas na frente dos quartéis. Cresce a confusão, agitam-se os deputados. As
tropas terminam por apoiar a insatisfação. Mesmo aquela que estava no Palácio
de São Cristovão, que o guardava, aos poucos o vão abandonando. Do Batalhão do
Imperador, fica-lhe fiel somente o Major Lima e Silva, futuro Duque de Caxias. Consultado pelo Soberano sobre a situação, o Major
responde-lhe:
- “Se Sua Majestade quiser debelar o movimento, nada será mais
fácil. Bastará seguir nesta mesma noite para a Fazenda de Santa Cruz, e ali
reunir as milícias, à frente das quais estou pronto para me colocar, devendo
estacionar no Campinho os postos avançados. Se, porém, se adotar este alvitre,
deverá ser acompanhado dum decreto, concedendo baixa a todos os soldados da
primeira linha, que a quiserem; pois, feito isso, dentro de 24 horas, os
oficiais se acharão sós.”
A este conselho o Imperador respondeu:
- “O expediente proposto é digno do Major Lima e Silva, mas
não o aceito, porque não quero que por minha causa se derrame uma só gota de
sangue brasileiro.”
Desalentado ante a revolta e à traição, D. Pedro I abdicou
no filho pequenino, que seria D. Pedro II, na madrugada de 7 de abril,
acolhendo-se com a Imperatriz D. Amélia, D. Maria II de Portugal, a bordo da
fragata inglesa Warspit surta no
porto. Dela se passou para a Volage
que o levou à Europa. Ia, como D. Pedro IV de Portugal, escrever o último
capítulo de sua vida cavalheiresca e gloriosa, reconquistando nos azares da
guerra civil ao irmão D. Miguel o trono de sua filha.
Antes de partir, ao filho de cinco anos de idade, escrevia
esta página de antologia:
“Meu querido filho e meu Imperador. Muito lhe agradeço a carta que me
escreveu. Eu mal a pude ler, pois as lágrimas eram tantas que me impediam de a
ver; agora que me acho, apesar de tudo, um pouco mais descansado, faço esta
para lhe agradecer a sua e para certificar-lhe que, enquanto vida tiver, as
saudades jamais se extinguirão em meu dilacerado coração. Deixar filhos,
pátria, amigos, não pode haver maior sacrifício; mas levar a honra ilibada, não
pode haver maior glória. Lembre-se de seu pai, ame a sua, a minha pátria, siga
os conselhos que lhe derem aqueles que cuidam de sua educação, e conte que o
mundo o há de admirar, e que eu hei de me encher de ufania por ter um filho
digno da pátria. Eu me retiro para a Europa; assim é necessário para que o
Brasil sossegue, o que Deus permita, e possa para o futuro chegar àquele grau
de prosperidade de que é capaz. Adeus, meu filho, receba a benção de seu pai
que se retira saudoso e sem mais esperanças de o ver.” D. Pedro de Alcântara.
Pai e filho nunca mais se viram. Durante uma década, o
Brasil não sossegou. O sangue que D. Pedro I, recusando o conselho leonino de
Caxias, não quis derramar, os brasileiros fizeram correr nas aras da anarquia
de norte a sul do país, Cabanos no Pará, Balaios no Maranhão, Pintistas no
Ceará, setembristas e Decembristas em Pernambuco, Luzias em Minas e Farrapos no
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, todos não tiveram o mesmo escrúpulo do
Monarca em poupá-lo.
Com 36 anos de idade apenas, esgotado por uma vida dinâmica,
D. Pedro I faleceu a 24 de setembro de 1834, no paço de Queluz, no mesmo
aposento em que nascera a 12 de outubro de 1798, a sala de D. Quixote,
ilustrada com painéis da vida do Cavaleiro Andante, cujo derradeiro sono,
perguntando-lhe a filha qual sua última vontade, respondeu que desejaria ver um
soldado do Batalhão de Caçadores 5, do qual era coronel honorário e que
acompanhara dos Açores do Mindelo, combatendo sob suas ordens no Cerco do
Porto. O Duque de Terceira mandou vir um cabo desse batalhão, que se ajoelhou
em pranto ao pé do leito, onde agonizava o Rei de Portugal e Imperador do
Brasil.
E D. Pedro adormeceu na morte, pousando os olhos enevoados e a mão
álgida na fardeta cor de pinhão com chouriças, canhões e gola verdes dum dos heróis
que comandara.
O primeiro Imperador do Brasil teve a morte emocionante dum
soldado.
Retomo: Esta maldade insana, esta punição a um homem que nada fizera
de mal ao Império, que era admirado por suas posições fortes como sua
personalidade, pesa como uma maldição sobre a terra que tanto amou.
É um karma nacional a ser queimado, a ser
resgatado com o respeito à sua memória e à sua obra maior: a criação do Império
do Brasil, grande entre os grandes em sua época áurea.
A República até tentou se refazer do erro desumano, ao
trazer seus restos mortais para sua pátria de eleição e lutas. Mas foi pouco.
Não houve o reconhecimento de sua competência e capacidade, de seu destemor, de
sua grandeza em pôr-se acima das humilhações que lhe fizeram e da tristeza de
ter de abandonar um filho ao alcance de adversários que lhe queriam mal.
D. Pedro I demonstrou sobejamente que a grandeza pessoal é o
maior bem e a mais bela das virtudes, dando razão a Montesquieu, que ensinava
que o princípio que rege o Estado Monárquico é a honra.
Quão longe estamos, neste nosso atual Brasil, dessas atitudes
soberanas, corajosas e sacrificadoras de interesses pessoais.
Muito bom! O Brasil há de recuperar essa grandeza!
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