domingo, 25 de maio de 2014


Devo ter sido cego, surdo e mudo!

 
Tenho sessenta anos de idade. Tinha quatorze nos idos de 1964.

 Vejo e ouço tantas coisas sobre o que aconteceu naquela época e estranho nada ter notado, nem visto ou escutado então, como dizem ter acontecido.

 Atualmente, grande parte da juventude tudo afirma e nada conhece; tudo aceita do que é dito por um lado, e nem quer escutar os outros lados, pois não lhe interessa a verdade.

O Brasil grosseiro, ditatorial, cruel, ruim, insano que dizem ter existido pós-64, eu não conheci. Talvez por ter trabalhado para fazê-lo cada dia melhor. Mas, lembro-me do pré-64, em que a baderna imperava, o país estava economicamente parado por greves (existiam mesmo as greves em solidariedade), com os governantes nacionais, popularescos, dando gritos de ordem e insuflando a multidão, dizendo que tudo fariam com ou sem o Congresso, enquanto outros,  a eles ligados, debochavam e menosprezavam, ostensivamente,  as autoridades militares da Nação.

O Brasil em que qualquer militar tripudiava sobre os civis, constrangia-os, impunha-lhes atos ignominiosos não foi de meu conhecimento. Ao contrário, vi um País onde era seguro viver em paz, pois a pouca vergonha dos aproveitadores de ocasião tinha sido sustada. Houvera um verdadeiro choque de ordem, o único meio de impedir que o Brasil se tornasse uma república sindicalista na qual o maior princípio não era o combate à pobreza e à miséria, mas o ódio e a destruição dos ricos.

O Brasil de uma porção de generais ditadores a criarem leis que favorecessem seu grupo oligárquico, a impedir a democracia e a meterem medo no povo, que os odiava, deve ter sido outro Brasil, porque eu estava aqui e não o vi. Os pretensos ditadores, estranhamente, revezavam-se a cada quatro anos, propostos e eleitos pelo Congresso Nacional, o qual era eleito democraticamente. E, note-se, o Vice sempre era um civil. Nunca houve um General-Presidente, pois, respeitando a Lei Maior, para serem candidatos deviam solicitar a reforma. Nunca aconteceu de algum presidente dessa época ‘militar’ vestir a farda de seu antigo posto, pois o regulamento das Forças Armadas brasileiras não permite. Isso de ‘estar protegido pela farda’ foi coisa do único e verdadeiro ditador no Brasil, o Getúlio Vargas. Como é, ainda hoje, do Hugo Chavez e dos irmãos Castro.

O Brasil amordaçado, calado, amedrontado, com denúncias de vizinhança, inquieto, sem direito à privacidade, com a correspondência censurada, também não vi, a não ser durante os momentos de convulsão social ou de estado de guerra, se é que houve. Não me recordo de ter sentido receio de ser morto a qualquer momento por agentes da lei, que não tinham como missão atirar em outros cidadãos pacíficos, embora houvesse uma tensão e ansiedade em ser vítima gratuita de algum atentado terrorista, tanto em seus ataques aleatórios quanto nos assaltos que faziam a bancos, em nome do povo, diziam eles...

No Brasil que conheci, jamais fui incomodado, como cidadão, por falar mal, ou criticar, fosse quem fosse. Nunca me prenderam. Sempre li o que quis, falei o que pensava, e, adianto, nunca fui um ‘maria vai com as outras’. Nunca soube de que aqueles presidentes roubassem ou suportassem a companhia de ladrões do dinheiro público. Não me consta que os presidentes do regime militar se locupletassem de mordomias e facilidades, a si ou aos familiares, enchessem as ‘burras’ de sua família de dinheiro do povo. E tinham o comando da força, vejam só! Poderiam ter feito o que quisessem. Não havia quem os impedisse. No entanto, não fizeram: tinham respeito pelas tradições democráticas do País. Muitos haviam lutado por ele na Segunda Guerra, e não contra ele, como os pretensos ‘terroristas-democráticos’ fizeram. Aqueles que nunca nem mesmo propuseram o retorno do Jango à presidência. Queriam o quê, então?

Só sei que sinto uma enorme falta de um país em que se podia levantar de manhã e ir trabalhar sabendo que se contribuía para gerações futuras que nem se iria conhecer. Sem ódios, sem rancores, sem preconceitos artificialmente construídos.

Devo ter sido cego, mudo e surdo, ou algum tipo perfeito de tonto! Devo estar pagando por isso, agora! Nada mais justo!

(Este texto foi escrito em 2010, para ser publicado na revista do Instituto Milênio e foi censurado por eles por fazer apologia do regime militar, do ponto de vista do Conselho Editorial. Por estas e outras que estamos onde nos encontramos hoje!)

Um comentário:

  1. Ayrton Luiz Balsemão25 de maio de 2014 às 17:25

    Faço minhas as suas palavras... não mexo em nenhuma vírgula. Parabéns!

    ResponderExcluir